Um dos maiores motivos de sofrimento para uma criatura otaku vivente nos anos 90 era o fator comunicação. No começo da década éramos a cópia do Japão feudal versão terceiro mundo. A nossa Era Meiji estava apenas no começo, e como dizia Fernando Collor, não tínhamos carro- andávamos de carroça. O auge do luxo era carro com vidro elétrico, enquanto na europa e EUA o negócio já era câmbio automático há muito tempo.
XT com disquete de 5'1/2! |
Se hoje em dia vibramos com o avanço tecnológico, na década de 90 era tudo primitivo, e sonhávamos com dias melhores. Esqueça as redes sociais, youtube e google. Isso não existia. Internet era um luxo, hava vista que computadores não faziam parte da família. Gentein, até o final dos anos 80, o negócio era computador XT, de telinha verde, pesando trocentos quilos e que só se encontravam em empresas e instituições de ensino. Lembro que a primeira vez na vida que usei um computador foi em 1988... O negócio era ultra mega retrô e não servia pra nada (pelo menos pra mim era a coisa mais sem noção que já tinha visto).
E a internet? Só em meados da década de 90 é que os computadores começaram a se firmar como um objeto acessível às pessoas "normais", não sendo visto somente como uma ferramenta de trabalho para empresas. A internet vinha de carona, abrindo as portas para o céu e o inferno ao mesmo tempo. Inferno porque a conexão era discada!(minha úlcera pulsa só em lembrar do barulhinho do modem... E quando dava ocupado?)
O pesadelo de qualquer pai de família começava quando alguém ia usar a internet... As contas de telefone vinham altíssimas, porque se pagava o uso da internet ocupando a linha telefônica- o acesso era calculado por pulsos, e liberado só depois da meia noite. Aos finais de semana era mais barato, mas quem conseguia se conectar com tanta gente tendo a mesma ideia feliz de acessar a internet na mesma hora? E a qualidade? Ah ah! Aquilo era um horror... Uma conexão que caía a todo instante, numa velocidade medíocre. Acha que fazer download de mp3 era essa alegria que é hoje? Ahhhhh.... Uma musiquinha de 4 mb era o equivalente a uns 4gb de hoje. Demorava uma vida inteira! Pra se fazer uma coleção básica de músicas no computador era um sofrimento... Nunca demorava menos de 10 minutos pra baixar uma mísera faixa em qualidade decente, ISSO QUANDO A CONEXÃO NÃO CAÍA!!!! Pensando nesses infortúnios dos pobres otakus havia inúmeras compressões de um mesmo arquivo, passando de uma música de qualidade sofrível a algo decente, mas que pudesse ser baixado em tempo hábil.
Fazer coleção de tranqueiras de anime no HD? Praticamente impossível. Os discos tinham capacidades míseras, e NÃO HAVIA GRAVADORA DE DVD. No máximo a gravadora de CD... Quer dizer, na década de 90, não existia a maravilha "made in China". Isso não era acessível no Brasil. Era como o Blu-Ray a uns anos atrás. Era caro, mitológico, distante e portanto sumariamente aniquilado. DVD... Quem precisava de DVD quando o negócio era no disquete!
Aliás, lembrei de uma coisa agora... Houve um certo período em que as gravadoras de DVD ainda eram caras e a gente se virava só com a gravadora de CD... O pen drive começou a surgir no mercado, ainda era um negócio "meio estranho." Dizia-se que os drives de disquete seriam aposentados, e em breve os computadores não seriam mais fabricados com esse dispositivo. Entrei numa briga ferrenha, dizendo que isso era impossível.
"Não é todo mundo que tem gravadora de CD! Como eu faço pra copiar um arquivo de outro computador que não tivé disquete?! E se tivé gravadora? Um arquivo pequeno vai ocupar um CD todo?" ps.: nem sonhava em conhecer um CD-RW...
"E esse negócio de pen drive?Isso vai substituir disquete? NUNCA! "
Em resumo- tudo o que a gente fala hoje vira EPIC DIALOGUE FAIL num futuro bem próximo quando o assunto é tecnologia.
Voltando...
Sem DVD para nos salvar o negócio era contar com o bom e velho disquete, compactando os arquivos igual sardinha em lata.
Tudo zipado! Espera... Zipado?Ah ah... Não existia WNZIP... O negócio se chamava ARJ, e rodava no DOS...
Nossa senhora dos otakus aflitos! 99,9% da molecada hoje não sabe usar DOS... Nem vou falar aqui do Windows 3.1 né... Abafa o caso!
Muderrrrnoooo! |
Bom, já deu pra ter uma noção do nível da dificuldade em acessar a internet. Preço alto e conexão lenta tornavam praticamente impossível ter uma coleção de tranqueiras de anime como as que temos hoje. No máximo imagens e dados pequenos. Tudo coletado naquele que era o maior site de buscas da época: "CADÊ?"
Os otakus do Brasil varonil sabiam da existência dos animes, mas para chegar à fonte era preciso andar bastante... Vieram então os primeiros fansubbers, que supriam a necessidade de assistir novos animes, coisas que não viriam ao Brasil. Todo mundo queria saber o que rolava no Japão, mas era inviável fazer download de séries pela net. A salvação viria dos distros de anime, que VENDIAM FITAS VHS através de catálogos enormes e mais desejados que água no deserto.
FITAS VHS?
Sim, caro otaku! Pra você que não viveu nessa fase, não tinha DVD! O mais próximo era o LD- Laser Disc. Um CD gigante, do tamanho de um disco de vinil. Aquilo era a melhor qualidade, superior ao que víamos nos videocassetes. Mas não era popular, então só as classes mais abastadas e phynas tinham um troço desses. Relembrando que em uma parte da década de 90 não se via os produtos importados como a coisa mais natural do mundo. Carro importado? Coisa de gente rica. CD player? Nussa! Só as criaturas que viajavam ao exterior pra trazer uma muamba dessa catiguria!
O que o otaku tinha em casa era o bom e velho videocassete e pelo menos uma fita daquele que foi o maior distro do país- o BAC-Brasil Anime Clube
Ter uma fita do BAC em casa era item obrigatório de todo otaku da época. Demorava cerca de dois meses entre o pedido e o recebimento, mas era "A QUALIDADE", era "O ANIME". Como um filho desejado, planejado e adorado. Todo mundo tinha uma pendência de fitinha no BAC, e a alegria era geral quando chegavam em casa. Até hoje assisto minhas fitinhas, depois de ressuscitar meu bom e velho videocassete!
Ladies and gentlemen, uma fita VHS! |
Pensam que o BAC tem tantos anos assim? Minha primeira fita foi de 1999.
Ah tá... Tem gente que acha que 11 anos são uma vida inteira né... I´m getting old.
Mas enfim... o BAC fez a alegria de 10 entre 10 otakus. Os seres superiores e supremos que tinham acesso a mídias que bombavam no Japão eram respeitados e idolatrados por nós que não tínhamos nem condição de pagar uma conta telefônica astronômica. Tais seres criaram grupos de exibição de animes e venda de fitas VHS. E claro, os amigos dos seres abastados faziam cópias do material original e espalhavam para os mais chegados. Temos aqui o método mais primitivo de disseminação de material otaku pelo Brasil varonil.
Mesmo a gente às vezes enfartando por causa da demora do BAC e outros distros, era a coisa mais legal do mundo. Era sofrido, mas era uma alegria inigualável.
Já no final dos anos 90 a coisa melhorou... A conexão foi ficando mais decente- porém ainda cara, o que limitava muito o acesso. Ainda reinavam os distros como o BAC, e sites de compra de CDs de anime e pop/rock bombavam.
Redes sociais? Nada de orkut, twitter ou facebook. O negócio era o ICQ. Todos tinham um UIN, um número que servia como seu identificador. Era um primórdio do messenger. Todo mundo tinha um troço daqueles! E o mIRC? Incrível como esse reina até hoje né? Desde aqueles tempos da caverna era indispensável saber pelo menos uma meia dúzia de comandos!
Com a melhoria da conexão de internet tudo ficou lindo e maravilhoso. Hoje mesmo assisti ao show da Utada Hikaru ao vivo via Ustream e foi a coisa mais incrível. Nem preciso dizer as maravilhas para a humanidade que a net de hoje oferece, mas pra quem viveu na fase do carvão, passar pela revolução industrial e ter história pra contar é indescritível. Quem em 1990 e lá vai iria imaginar tantas facilidades? Tudo era um sonho, era algo de se rir. Poder ter uma conexão que ficasse online 24 horas por dia!!! Baixar uma música em menos de 5 minutos!!!! Ter muitos animes em casa!!!!
Ah... Nostálgico... Claro que muitas histórias surgem dos anos 90, mas acredito que esses dois pontos são o divisor de águas para os otakus brasileiros- a consolidação da animação japonesa, trazida pela Rede Manchete e a popularização da informática. Como todo processo evolutivo, houve muitos percalços, muitos anseios e esperanças por avanços tecnológicos. Esses tais avanços chegaram. No começo vieram de mansinho, e hoje eu nem sei mais exatamente onde vamos parar. Ainda me lembro da emoção de ter finalmente me livrado da internet discada e ter me tornado praticamente uma mãe-de-santa virtual, baixando tudo que posso no menor tempo possível. Os primeiros amigos virtuais, a primeira convenção de anime... Ai ai... Recordar é viver... Isso me lembra que ainda tenho que passar toda a minha coleção de fitas do Bac pra DVD... Mas antes disso, acho que vou tirar um tempinho pra assistir alguma coisa no meu videocassete...
Eu lembro desse BAC, apesar das minhas fitas vieram de outro distro.
ResponderExcluirUm coisa que a gente não vai sentir mais é a felicidade de receber uma fita em casa, além daquela imagem de fita VHS em TV de tudo. MUITO melhor que qualquer imagem de TV 4K.